Docência: causa ou consequência?

Docência: causa ou consequência?

31 de março de 2021

Não existe fórmula mágica

Há aqueles que sempre pensaram num alto grau de especialização, no perfil da pesquisa, e se prepararam para uma carreira acadêmica e de pesquisa. Aí muitas vezes a docência vem como consequência da formação e da atuação nas universidades. Não foi escolhida, mas chegou até você e você terá que vivê-la. Por outro lado, há outros que buscaram um bacharelado ou engenharia para sua formação profissional, mas sentiam vontade de dar aula, de se dedicar ao ensino. Aí procuram a pós-graduação para abrir essas portas.
Independentemente do caminho que te levou até ele, o magistério é um exercício extremamente desafiador. Contudo, na mesma medida que é desafiador, é encantador. Eu sou suspeito para falar, pois a certeza que eu seria professor estava em mim antes mesmo de eu me tornar aluno. Mesmo assim, eu gostava da área da saúde e vi que seria possível conciliar as duas carreiras: a de farmacêutico e a de docente. Desde o primeiro ano da faculdade, comecei a construir isso. Trabalhei durante toda a graduação como professor de tecnologia educacional numa escola particular de educação infantil e fundamental. A atuação em cursos profissionalizantes também me trouxe bastante bagagem. Essa bagagem está em competências que o docente precisa ter como comunicador: a sensibilidade, a empatia, o uso adequado de linguagem para determinado público, a organização do tempo e planejamento das rotinas de aula.
Nos bacharelados e engenharias, não temos nenhum tipo de formação pedagógica e também não podemos dizer que a pós-graduação supre essa necessidade. Sabemos a técnica, sabemos fazer, temos o conhecimento, mas nem sempre sabemos ensinar. Na maior parte dos casos, o “aprender a ensinar” vai ser um “aprender fazendo”. À medida que as oportunidades surgem e que nós as encaramos, começamos a nossa escola. Aí as pesquisas, cursos, semanas pedagógicas, diálogos com colegas vão nos aperfeiçoando nesse ofício... mas quer saber o que mais ensina? Nossos erros!
Nos vemos sob a enorme responsabilidade de formar outros profissionais e ali estamos diante do sonho do outro, e com sonho não se brinca. Com certeza, em algum momento da nossa trajetória, vamos errar. Seja na seleção de metodologias, seja no manejo de conflitos, seja nas relações interpessoais, ou mesmo na informação que passamos. Erramos... E professor é uma espécie que não gosta de mostrar fragilidade, então damos um jeito de disfarçar e, quando estamos a sós com nossa consciência, pensamos: “o que foi isso”? Aí novas estratégias surgem, e nossa segunda turma é melhor que a primeira, e assim sucessivamente. Não só porque estamos mais seguros do conteúdo, mas porque estamos mais seguros de nós mesmos como professores.

Ensino público x privado

Um outro aspecto importante do ensino superior é o tipo de instituição: pública ou privada. Tenho contato com ambas as realidades e são totalmente diferentes. O perfil do corpo docente, o perfil do acadêmico, a dinâmica institucional. Na universidade pública, o professor de carreira tem muito tempo para dedicar à pesquisa e à extensão, enquanto na privada essas atividades, na maior parte dos casos, não são remuneradas. Na universidade pública, o professor ministra uma disciplina, ou disciplinas dentro de uma área do conhecimento, enquanto na privada ele precisa ser versátil. Ele é professor. Do que? Depende do ano, do semestre, da demanda. Temos que exercitar a capacidade autodidata e, por vezes, ministrar disciplinas que nunca imaginamos na vida. Na universidade pública, o docente de carreira dedica-se exclusivamente a ela, enquanto na particular a docência é parte do trabalho dos professores, que tem mais um, dois, três empregos diferentes. Um ponto de distinção aqui é que o fato do professor da instituição privada estar inserido no mercado acaba agregando em competências que ele é capaz de dividir com seus alunos. Na universidade pública, temos um currículo que não economiza carga horária. É extenso, recheado de disciplinas, com um embasamento técnico-científico muito sólido. Na privada, o currículo é sistematizado para economizar carga horária, e muitas vezes temos que ministrar a mesma quantidade de conteúdos em muito menos tempo. Aí entra a criatividade e uso de metodologias que otimizem o aproveitamento do tempo e a integração entre os conhecimentos. Na universidade pública, o corpo discente é mais comumente recém egresso do ensino médio, mais jovem, menos inserido no mercado de trabalho e, essencialmente nos cursos integrais, exclusivamente dedicados ao estudo. Já nas instituições particulares, vemos um público heterogêneo, que vai desde pessoas que já estão no mercado de trabalho, muitas vezes já graduados, gerenciam filhos, família e têm menos tempo livre.
Enfim, são muitas as distinções, mas o fato é que você pode ir para a docência por vontade própria, como pode cair nela por acidente e se apaixonar. Se não se apaixonar, deixa essa cadeira para outro. Professor tem que ser apaixonado. É uma carreira árdua, temos que lidar com muitos limites e permanecer motivados. Temos que estar dispostos a aprender todo dia e a sermos sensíveis aos seres humanos 'aprendentes' que estão diante de nós. A aprendizagem exige vários ingredientes: a atenção, a memória, a capacidade intelectual, a linguagem... mas o mais importante deles é a motivação. Motivação é intrínseca, não conseguimos injetar nos outros. Não podemos motivar, mas podemos inspirar. Podemos e devemos. E, muitas vezes, é através da relação afetiva que travamos com nossos alunos que eles mantêm o entusiasmo e a perseverança para galgar seus objetivos.
Ser professor não é só uma profissão, é uma missão. Somos professores em sala de aula, no mercado, no bar, na praia. É responsabilidade, é fidelidade à ciência. É gostar de aprender e gostar de ver aprender, de ser superado. É querer ser a diferença, e não só mais um. Seja a docência a causa ou a consequência, vai ser pelo amor que você se manterá nela e nela terá realização.

Rodrigo Moreira Caetano Pinto
Rodrigo Moreira Caetano Pinto

Farmacêutico Especialista em Saúde Estética
Mestre e Doutorando em Ciências Farmacêuticas
Pós-graduando em Neuroaprendizagem
Pós-graduando em Docência e inovação no ensino superior
Pós-graduando em Administração pública
Professor universitário há 8 anos
Proprietário de salão de beleza e centro de estética avançada
Farmacêutico clínico na Clínica Humanamente e na Clínica Mente e Cérebro
Coordenador da Brilharte Centro Educativo Multidisciplinar

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